A gente tava meio boladinho porque tava
escurecendo e só teria umas lanterninhas nem tão boas assim pra se ver. Sexta
tinha sido meio ok, porque a gente tava meio no barato e não tinha aparecido
nenhuma carta, então a gente ainda tava de boa com a ideia de que a gente tava
sozinho ali e era isso aí. Agora não, agora dava um medo considerável. A L.
sempre cegando com a luz da testa quando a gente olhava pro rosto dela. O
escuro parecia uma boca aberta enorme. Além de onde nossos ruídos pareciam
alcançar, continuávamos a ouvir as vozes. Se emudecíamos, tínhamos certeza que
ouvíamos as vozes. Os zumbidos. Então não calávamos a boca. Podíamos só gemer
ou falar coisas idiotas do tipo “eu na verdade não gosto de almoçar, realmente
acho que um café da manhã forte é algo a ser respeitado. Almoço pra mim é algo
totalmente secundário, e se eu não passasse mal sem comer nada ao longo do dia,
a parada de uma comidinha a cada três horas, eu não comeria, juro que não
comeria na hora do almoço. Mas é assim a nossa vida.” “Pois é” “Eu também acho”
“Ah não, eu gosto de almoçar” “Eu também” etc.
As luzes acenderam. Do nada. Maria falou
champanhe. Marco Polo falou festa porra. Era estranho que acendessem. Sexta e o
que vivemos de sábado até ali não deixaram qualquer dúvida de que não tinha
energia na casa. Meio bizarro isso. Achei que não tinha energia. Marco Polo
falou que na opinião dele foda-se: festa porra bota uma música nessa merda. Não
tem energia. Como não, olha a luz aí na tua cara. Ficou burra? Maria entornou
um pouco de cachaça na boca, se engasgou e cuspiu um bocado no chão. Cadê minha
champanhe, caralho. Maria segura a onda aí. Céu tava rindo. Vê se não faz mais
merda. Que que eu fiz ?, não fiz nada, não vou fazer mais merda, o que eu posso fazer é só merda e não mais merda
o eu que posso fazer ainda é merda, mas ainda falta pra eu fazer mais merda então não me fode, não fode.
L. tá com o computador, nem precisa de energia. Formou.
L. foi atrás do computador. Já escutaram
Black Merda? O quê? Black Merda. Olha só. Eles escutam The Psych Funk of Black
Merda. L. põe primeiro Darn Well. Maria diz caralho, caraaaaaalho. O Marco diz
alguma merda do tipo que isso é música pra trepar. Céu diz que ele tá sendo
meio babaca. Então se chega à conclusão de que seria bom se a gente desse uma
trégua na onda de ficar insinuando papo de sexo o tempo inteiro porque ficar
reduzindo qualquer tópico possível a isso, sem que de fato role um empenho no
sentido de concretizar alguma coisa nesse sentido, parece simplesmente chato,
parece ser uma insistência no mínimo maçante numa ideia abstrata de sexo
referenciada em porra nenhuma de concreto, o que, pensando na experiência do
sexo, é meio estranho, já que o sexo é uma parada nada metafórica no que diz
respeito a uma certa interpenetração intersubjetiva e fora de um regime discursivo
em sentindo estrito, apesar de ser possível, se a gente quiser muito, a gente
entrar numa possivelmente chata discussão semiótica a respeito de algumas
posições e coisas assim. Então Marco diz que a gente pode tirar a roupa.
Concorda-se que ele não entendeu ou não concordou com o que foi dito. E que
talvez seja melhor ignorar porque uma hora ele desiste de encher o saco e dorme.
Eu vou pro jardim, vou encher a porra da cara, ficar pelado de pau duro, quem
sair eu como. Ele vai saindo com o que sobrou de cachaça e tirando a roupa. Ele
grita lá de fora que é pra levar a câmera. Maria, Céu e L. se olham. Maria dá
uma vomitadinha.
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