sexta-feira, 20 de junho de 2014

sábado à noite

A gente tava meio boladinho porque tava escurecendo e só teria umas lanterninhas nem tão boas assim pra se ver. Sexta tinha sido meio ok, porque a gente tava meio no barato e não tinha aparecido nenhuma carta, então a gente ainda tava de boa com a ideia de que a gente tava sozinho ali e era isso aí. Agora não, agora dava um medo considerável. A L. sempre cegando com a luz da testa quando a gente olhava pro rosto dela. O escuro parecia uma boca aberta enorme. Além de onde nossos ruídos pareciam alcançar, continuávamos a ouvir as vozes. Se emudecíamos, tínhamos certeza que ouvíamos as vozes. Os zumbidos. Então não calávamos a boca. Podíamos só gemer ou falar coisas idiotas do tipo “eu na verdade não gosto de almoçar, realmente acho que um café da manhã forte é algo a ser respeitado. Almoço pra mim é algo totalmente secundário, e se eu não passasse mal sem comer nada ao longo do dia, a parada de uma comidinha a cada três horas, eu não comeria, juro que não comeria na hora do almoço. Mas é assim a nossa vida.” “Pois é” “Eu também acho” “Ah não, eu gosto de almoçar” “Eu também” etc.

As luzes acenderam. Do nada. Maria falou champanhe. Marco Polo falou festa porra. Era estranho que acendessem. Sexta e o que vivemos de sábado até ali não deixaram qualquer dúvida de que não tinha energia na casa. Meio bizarro isso. Achei que não tinha energia. Marco Polo falou que na opinião dele foda-se: festa porra bota uma música nessa merda. Não tem energia. Como não, olha a luz aí na tua cara. Ficou burra? Maria entornou um pouco de cachaça na boca, se engasgou e cuspiu um bocado no chão. Cadê minha champanhe, caralho. Maria segura a onda aí. Céu tava rindo. Vê se não faz mais merda. Que que eu fiz ?, não fiz nada, não vou fazer mais merda, o que eu posso fazer é merda e não mais merda o eu que posso fazer ainda é merda, mas ainda falta pra eu fazer mais merda então não me fode, não fode. L. tá com o computador, nem precisa de energia. Formou.

L. foi atrás do computador. Já escutaram Black Merda? O quê? Black Merda. Olha só. Eles escutam The Psych Funk of Black Merda. L. põe primeiro Darn Well. Maria diz caralho, caraaaaaalho. O Marco diz alguma merda do tipo que isso é música pra trepar. Céu diz que ele tá sendo meio babaca. Então se chega à conclusão de que seria bom se a gente desse uma trégua na onda de ficar insinuando papo de sexo o tempo inteiro porque ficar reduzindo qualquer tópico possível a isso, sem que de fato role um empenho no sentido de concretizar alguma coisa nesse sentido, parece simplesmente chato, parece ser uma insistência no mínimo maçante numa ideia abstrata de sexo referenciada em porra nenhuma de concreto, o que, pensando na experiência do sexo, é meio estranho, já que o sexo é uma parada nada metafórica no que diz respeito a uma certa interpenetração intersubjetiva e fora de um regime discursivo em sentindo estrito, apesar de ser possível, se a gente quiser muito, a gente entrar numa possivelmente chata discussão semiótica a respeito de algumas posições e coisas assim. Então Marco diz que a gente pode tirar a roupa. Concorda-se que ele não entendeu ou não concordou com o que foi dito. E que talvez seja melhor ignorar porque uma hora ele desiste de encher o saco e dorme. Eu vou pro jardim, vou encher a porra da cara, ficar pelado de pau duro, quem sair eu como. Ele vai saindo com o que sobrou de cachaça e tirando a roupa. Ele grita lá de fora que é pra levar a câmera. Maria, Céu e L. se olham. Maria dá uma vomitadinha.

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